Notas registradas durante o vôo entre São Paulo e Istambul, a caminho de Tel Aviv, em Janeiro de 2023
Comecei a escrever quando faltavam pouco mais de 4 horas para pousar em Istambul, conexão para Tel Aviv, o meu destino final.
Estou aqui sentada em minha poltrona e meu “vizinho”, sentado ao lado, é um gentil indiano.
Descobri que Istambul é também rota comum para quem tem Índia como destino.
E me lembro do seguinte. Na 3ª fila que peguei no aeroporto em São Paulo, antes de embarcar (nem quero lembrar das 2 primeiras filas!!), conheci um brasileiro que estava viajando para a Índia, disposto a fazer uma peregrinação nos caminhos supostamente trilhados por Buda. Não sei o nome do moço, nem onde vive. Mas falamos de Buda! A fila desta vez era para o embarque. E instantes depois estávamos diluídos entre os demais passageiros, tendo sido possível somente desejar boa viagem um ao outro.
O embarque para este vôo atrasou mais de 1 hora. E eu estava estressada desde quando pisei no aeroporto de Guarulhos. No entanto, no instante que resolvi me abrir para uma breve conversa em uma dessas filas que, a “magia” voltou a operar em minha vida.
Acho que tudo o que eu precisava nesses últimos tempos era mesmo de um grande movimento…
Quando faltava apenas 1 hora para pousar em Istambul, em uma das minhas idas ao banheiro do avião, fui abordada por uma brasileira que também estava viajando para Israel. Ela soube que eu estava indo para o mesmo destino que o seu porque – percebo a magia circulando novamente – ela estava sentada ao lado do rapaz da peregrinação nos caminhos trilhados por Buda neste mesmo vôo. Em suas conversas, ele comentou sobre o meu destino (Tel Aviv). E, ao me avistar em pé na fila da banheiro, ele avisou a brasileira, que se dirigiu até mim e pediu para ficarmos juntas para fazermos a conexão no aeroporto na Turquia, algo completamente inédito para ambas, já que nunca pisamos naquelas terras.
O horário previsto para pousar em Tel Aviv estava marcado para 11:30pm (horário local) e Geert já deveria estar me esperando. O vôo dele saindo de Bruxelas chegaria às 8:20pm em Israel.
Restando menos do que 10 minutos para o pouso em Istambul, sinto intensa emoção. Parecia existir um divisor de águas entre o que eu era até antes de viajar e agora.
De acordo com Aristóteles, o tempo só existe quando existe movimento. E o tempo avançou em vários fusos horários e em espaço, muito longe de casa. Eu me movimentei e aqui me encontro, em renovação.
Na vida de todos os dias, feita de luzes e sombras, percebo a existência de seres “invisíveis” ao sair para a rua e me deparar com a beleza disfarçada em sua expressão, apontando para a lua, e que já foi declaradamente dada como morta;
Na vida de todos os dias, feita de algo bom e ruim, percebo a relatividade das manifestações, ao sair para a rua e me encantar com a frondosa, alegre e atraente aos olhos daqueles que sabem ver, indicando para o além do além, para além do óbvio dos olhos físicos, para onde sempre existe o possível;
Na vida de todos os dias, feita de dentro e de fora, percebo a unidade ao sair para a rua e me reencontrar com ela, que me ensina a grandeza do que é simples, do que é livre de obstáculos, do que é ignorado, invisibilizado, esquecido, mostrando para mim inúmeras razões para agradecer o caminho encontrado.
…
Nesta vida cotidiana, o alento vívido e presente, onde piso, no momento a momento, sempre seguindo, tomando como exemplo a naturalidade da existência dela, sempre ela, que me mostra o movimento constante, as transformações incessantes, a continuidade inerente a tudo o que existe, sem obstáculos, sem obstáculos entre corpo e mente, entre longe e perto, entre claro ou escuro, entre eu e ela.
Fica decretado que agora vale a verdade. Agora vale a vida, e de mãos dadas, marcharemos todos pela vida verdadeira.
Artigo Segundo
Fica decretado que todos os dias da semana, inclusive as terças-feiras mais cinzentas, têm direito a converter-se em manhãs de domingo.
Artigo Terceiro
Fica decretado que, a partir deste instante, haverá girassóis em todas as janelas, que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra; e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, abertas para o verde onde cresce a esperança.
Artigo Quarto
Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem. Que o homem confiará no homem como a palmeira confia no vento, como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu.
Parágrafo único
O homem, confiará no homem como um menino confia em outro menino.
Artigo Quinto
Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira. Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio nem a armadura de palavras. O homem se sentará à mesa com seu olhar limpo porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa.
Artigo Sexto
Fica decretado que a maior dor sempre foi e será sempre não poder dar-se amor a quem se ama e saber que é a água que dá à planta o milagre da flor.
Artigo Sétimo
Fica permitido que o pão de cada dia tenha no homem o sinal de seu suor. Mas que sobretudo tenha sempre o quente sabor da ternura.
Artigo Oitavo
Fica permitido a qualquer pessoa, qualquer hora da vida, uso do traje branco.
Artigo Nono
Fica decretado, por definição, que o homem é um animal que ama e que por isso é belo, muito mais belo que a estrela da manhã.
Artigo Décimo
Decreta-se que nada será obrigado nem proibido, tudo será permitido, inclusive brincar com os rinocerontes e caminhar pelas tardes com uma imensa begônia na lapela.
Parágrafo único
Só uma coisa fica proibida: amar sem amor.
Artigo Décimo Primeiro
Fica decretado que o dinheiro não poderá nunca mais compra o sol das manhãs vindouras. Expulso do grande baú do medo, o dinheiro se transformará em uma espada fraternal para defender o direito de cantar e a festa do dia que chegou.
Artigo Final
Fica proibido o uso da palavra liberdade, a qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso e das bocas. A partir deste instante a liberdade será algo vivo e transparente como um fogo ou um rio, e a sua morada será sempre o coração do homem.
(Santiago do Chile, abril de 1964 dedicado a Carlos Heitor Cony )
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